quarta-feira, 9 de junho de 2010

Cena vivida

Um dia corrido o de ontem e o metrô estava bem cheio embora ainda fosse meio de tarde em São Paulo.
Um grito estranho - mais parecia um grunhido muito alto - dentro do vagão e correria. Abre-se uma clareira improvável dentro do vagão e, nela, um homem estendido no chão, muito vermelho, se debate. Era um homem enorme. Ao contrário do instinto da maioria das pessoas ali presente, fui em sua direção e gritei "convulsão" para que as pessoas parassem de correr com medo e se aproximassem para também ajudar. Mas não fiz muito mais que isso também, sem saber como agir. Pensei na língua do sujeito, mas não era um ataque epilético e a grande verdade é que eu também, além de não saber como ajudar, embora tivesse o instinto de amparar aquela pessoa; eu também temia. E não tinha a menor certeza do que estava acontecendo. Milésimos de segundo e mil coisas passam pela cabeça. Drogado? Palhaçada? Ataque epilético? Convulsão? Poderia ele ficar agressivo e ser violento? Nesses poucos segundos a vermilhidão do sujeito se desfez e era possível perceber que ele não se sufocava. Respirava. Foi encolhendo. Aquele homem enorme foi se encolhendo todo, parando de tremer. As mãos estavam machucadas do impacto no chão e possivelmente na barra de ferro do metrô, durante a queda. Dois homens jovens se aproximaram. Só eu e os dois homens nos mantínhamos próximos ao sujeito enorme que agora era um pequeno ser encolhido, babando muito. Não saberia dizer se ele se encolhia por vergonha ou se era parte do que sentia o que lhe fazia se embrulhar em si mesmo. Um dos rapazes me deu sua mochila, sem dizer uma só palavra, para que eu segurasse. Eu também nada disse. Os dois homens então conseguiram carregar e levantar o sujeito. As portas do metrô apitavam: outra estação. Saíram os três. Os rapazes o colocaram no chão do lado de fora do vagão e um funcionário do metrô já se aproximava. Aquele homem enorme continuava sem conseguir se erguer e babando. Piiiiiiiiiiii. Novo apito, as portas vão se fechar. Só então consegui pronunciar algo novamente: "moço, sua mochila". O rapaz a pegou e entrou no vagão. O outro também voltou para o vagão e o homem convalescente ficou ali fora, no chão da estação, com o funcionário do metrô. Ninguém disse nada. Ninguém sabia nada. As portas se fecharam e as vidas se seguiram, cada uma em sua direção. O vagão já não tinha espaços vazios novamente. Mas estava vazio de sons.

7 comentários:

  1. Coisas inesperadas que acontecem com a gente e nos põem a pensar. A cena vivida ontem à tarde me deixou um pouco triste, angustiada, sem saber se deveria ter feito mais. Ao mesmo tempo, me deu uma gratidão enorme pela vida boa que tenho: plena de saúde, com as químicas todas deste complicado aparelho - CORPO - funcionando como um reloginho. Um privilégio, uma benção, uma sorte.

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  2. Minha querida,

    Como ser humano entendo perfeitamente a sua dor e compartilhei da angústia a cada parágrafo lido. Já vivi algo semelhante e a sei que a total incapacidade que toma conta da gente é mesmo angustiante. Como mãe senti a sua gratidão pela vida, impressionante como esses pequenos seres nos dão mais motivos para querer viver e até nos proteger mais, não é verdade? E como leitora do blog, apesar da sua dor e lamentando profundamente a experiência por você vivida, preciso dizer seu texto ficou belíssimo.

    Beijos

    Simone

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  3. Talvez, o moço estivesse com hipoglicemia.

    É triste saber que o ser humano, às vezes, é tão pobre.

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  4. Ai, Dani,

    Eu acho que o homem moderno (eu inclusive) está com deficiência de adrenalina, que seria aquele hormônio que faz a gente agir rápido numa situação de estresse. Pelo contrário, acho que estamos embriagados por uma substância que nos paraliza e faz com que coisas que acontecem a 1 metro de nós pareçam infinitamente distantes.

    Só podemos agradecer à plena saúde mesmo, pois não adianta ter plano de saúde se você passa mal na rua. Aliás, isso me lembra uma frase que o Jack daquela série Lost falava muito: Live together, die alone.

    Beijos,

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  5. Que bonito! Quase ninguém consegue dar “colo” para um conhecido que precisa, imagina para um homem grande dentro de um vagão do metrô. Sua experiência é única, obrigada por dividir ..... Lendo seu texto visualizei o imenso vazio que a gente vive, a solidão que ronda o mundo e o tão pouco que as pessoas conseguem fazer para preencher esse espaço. Precisamos sair da sombra,sem alarde, com humildade e profundo agradecimento ao Universo. Bjs querida ...Tanya Figueira

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  6. Jakie, live together and die alone é uma realidade. Infeliz ou triste, é real.
    Tania, estamos todos muito solitários sim, concordo com você. Será que estamos assim por estarmos muito egoístas? Muito centrados em nós mesmos, nosso universo é o umbigo... Será o individualismo capitalista?
    Não sei, mas acho também que o caminho da humildade e uma postura mais grata, seja a Deus, ao Universo, à Natureza ou aos deuses - que seja! - mas acho que isso pode vir a fazer toda a diferença.
    Beijo grande, meninas!

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