sábado, 5 de novembro de 2011

As pessoas de Pessoa e nós (ou sobre como a poesia faz bem...)

Ontem à noite, bem cansada, pedi ao marido que cuidasse das providências da hora de dormir com a filhota: trocar a roupa para um pijaminha, escovar dente, botar para fazer xixi. Enquanto ele providenciava tudo, deitei-me na ótima companhia de Fernando Pessoa. Ando viciada em ler seus poemas e outros escritos. O homem que era um e vários e nenhum. Uma angústia que, traduzida em palavras (as muito bem escolhidas por ele), é de uma beleza ímpar. Mas que devia ser algo terrível psicologicamente falando. Me identifico com as indefinições dele.

Mas a surpresa curiosa da noite veio com Bruna. Ela se deitou junto comigo e perguntou curiosa:

- Mamãe, o que você tá lendo?

- Poesia, filha.

- Lê pra mim?

Me vi um tantinho embananada por uns segundos. Aquela poesia angustiada para uma criança? Bom, resolvi ler em voz alta, exatamente da página em que havia parado. Mas achei que ela ia se entediar, dormir ou até reclamar. Nada. Ficou quietinha escutando, deitada aninhada comigo. Li mais uma, caprichei na entonação. Fui recitando e ela muito atenta, ouvindo. Depois da terceira ou quarta, fechei o livro e disse a ela que era hora de dormir e que ela precisava ir pra caminha dela. E ela me olhou com uma carinha muito incrédula, como quem não acreditasse que aquilo tinha que parar naquele momento e me disse:

- Lê mais pra mim, mamãe?

- Você quer que eu leia mais poesias pra você filha? Dessas mesmo que eu estava lendo?

- Sim!

A resposta simples, curta e direta, bem típica da Bruna: "sim" foi uma grata surpresa até para essa mãe toda cultural. Fernando Pessoa não era adequado para ela, pensava eu, as palavras difíceis para o vocabulário de uma menina de 3 anos não deviam fazer o menor sentido para ela... Humpf! Ledo engano. Aquilo tudo estava simplesmente bom pra ela. Agradável. Bonito. O poder da poesia.

Não sei afinal quantas li. O pai chegou pra dormir, a cama apertou e já estava tarde: hora dela ir pro quarto dela. Recital encerrado.

A noite terminou com todas as pessoas de Pessoa ecoando nos nossos corações e pensamentos.

E com uma lição aprendida pela mãe: a beleza e a força das palavras vão muito além de faixas etárias, da simples compreensão de seus significados. Poesia é ritmo e encantamento sempre