quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Adeus Victor

Eu sinto com palavras. Escritas. Não tenho outro jeito de processar minha dor. Então, como sempre, sozinha e calada, recorro ao papel para falar do querido Victor. Pena eu não ter inspiração nesta hora para lhe fazer uma poesia, ele merecia. Era ele mesmo um poeta. O inventor das Domingueiras Poéticas, nosso primeiro trabalho juntos na vida real, mas que surgiu do mundo virtual e do que ele chamava de “mala direta afetiva”: um e-mail com poesias selecionadas que ele enviava todos os domingos, para as pessoas do seu relacionamento. Relacionamento era algo que Victor sabia fazer. Muito além do networking (quem fala nisso deveria ter tido umas aulas com o Victor...). Longe desse papo de marketing ou uma relação interesseira, pensando no ganha-ganha, Victor era um especialista em relações porque se entregava, se doava, se aplicava à elas. Carinhoso, presente, atencioso, era um especialista em conexões. Já tinha uma boa experiência de vida, era um senhor bastante maduro e podia então perceber com facilidade, devido à sua dedicação em prestar atenção no outro, que conexões funcionariam. E ia assim apresentando e juntando as pessoas, formando redes, em movimentos que pareciam “sem querer”, mas dos quais ele tinha plena ciência e intencionalidade. Fazia isso muito bem em prol da cultura. Sem exagero, afirmo que a cultura brasileira sofreu hoje uma grande perda com a sua partida. Victor foi reitor da Metodista no Rio de Janeiro (onde realizamos as Domingueiras Poéticas – com poesia, música e debates em 2007), onde gestou também projetos de preservação do patrimônio. Grande incentivador e locomotiva dos movimentos de preservação ferroviários (tinha sido ele mesmo um ferroviário), foi um grande ativista da memória do trem, das ferrovias e de suas histórias econômicas e sociais no Brasil. Era ferroviário e mineiro. Mineiro, paulista e carioca, devido às suas relações com as três cidades. Tive a oportunidade de fazer palestras e workshops a convite dele em várias cidades, pelo Movimento de Preservação Ferroviário. Era um entusiasta de todas as linguagens artísticas e fazia o possível para promove-las, fazendo sempre o que estava ao seu alcance, conectando as pessoas certas, para alavancar e promover grupos musicais, literatos e poetas, artistas visuais. Promoveu seminários que tive a honra de ajudar a organizar, realizou muito. Sempre voluntariamente. Jamais pediu algo em troca! Na minha vida profissional, Victor foi um anjo. Uma pessoa que entrou “por acaso” na minha vida: estava numa fila de troca de passagens no aeroporto Stos Dumont. Era o ano de 2006. Ele na minha frente, puxou assunto. Polido e extremamente educado, como sempre, mas muito simpático. Ganhava logo a confiança de qualquer pessoa, eu perceberia depois. Logo a conversa caiu no assunto cultura e trocamos cartões. Poucos dias depois ele me mandou e-mail e eu fui conversar com ele na Universidade. Dali para nos tornarmos parceiros de trabalhos diversos e amigos, foi rápido. E ele era assim com todos. Victor me trouxe tantos trabalhos que deixaria de ser uma homenagem a ele este texto e sim uma parte do meu currículo. Sim, sou grata ao Victor: boa parte do meu currículo profissional tem a ver com as conexões promovidas por ele. Se não era um trabalho com ele diretamente, era um projeto de alguém que ele me apresentou daquele jeitinho mineiro de ser: carinhosa e sutilmente, quase sem querer. Quase sem querer esse senhor bonito por dentro e por fora me deu de presente na vida amigos, a própria família dele com quem tive oportunidade de conviver e também trabalhar. Especialmente Celi, sua esposa e Omar, seu genro. Victor trouxe para minha vida Renata, uma grande parceira de trabalho que se tornou super amiga depois, e o Espírito das Artes. Trabalho para o qual nos apresentou e que rendeu um monte de outras amizades, trabalhos, conhecimentos e experiências. Obra do Victor. Sem falar na Neti Szpilman, de onde veio o projeto Mulheres em Pixinguinha, Campos do Jordão... “Culpa” do Victor. Conheci cidades por causa dele, viajando nos seminários de Memória onde me deu a oportunidade de me apresentar. As Domingueiras Poéticas no Bennett, a turma da música mineira, os shows, lançamentos, e, quando eu estava para ir pra Belém, captamos juntos um recurso no Itaú para viabilizar o projeto do Duo em que o genro dele tocava – e foi esta captação que me deu a graninha para suportar os cerca de 3 anos em que fiquei sem trabalhar depois, na fase dedicada à maternidade em Belém e até engrenar as coisas aqui em SP. Enfim, não dá para listar as coisas da minha vida que tem um “dedo” das articulações do Victor. Coisas boas, sempre. Incrível como ele sempre acertava! Não dá para expressar o tamanho da minha admiração e gratidão a ele. Mas meu sentimento de tristeza por sua partida hoje não se deve à gratidão. É muito mais do que isso. Admirava o Victor não pelo que ele fez por mim, abrindo essas portas, apresentando pessoas, trazendo projetos bacanas. Admirava o Victor pela pessoa que ele era: pela cultura que tinha, por essa generosidade que exercia diariamente com as pessoas, pelas ideias criativas, pelos poemas que escrevia e de vez em quando nos presenteava por e-mail, pelo carinho e dedicação que tinha por sua família e em todos os campos de sua vida. Por sua capacidade de ouvir e ajudar as pessoas. Fui testemunha de tantas ações beneficentes do Victor... E ainda tinha uma retidão profissional, uma seriedade incrível, sempre quebradas pela doçura e meiguice do seu jeito de ser. Tinha relacionamento com pessoas importantes mas era de uma simplicidade incrível. Morava na Urca, andava de metrô, era comprometido com a preservação do meio ambiente, projetos sociais, com a já citada cultura, enfim, com as pessoas. Viabilizava projetos sociais e culturais com dinheiro do próprio bolso, muitas vezes. Testemunhei seu lado mecenas. Pena ele não ter sido rico, pois teria investido ainda mais em cultura. Pai e avô dedicado, Victor era um ser humano RARO, que vai fazer muita falta neste mundo tão precisado de pessoas como ele. Um exemplo de pessoa mesmo. Que bom eu ter tido essa sorte de conviver durante esses cerca de seis anos em que a vida me presenteou com seu exemplo. Almoçamos juntos ainda este ano aqui em SP: se sobrava um tempo em suas viagens para cá, ele avisava. Victor sabia cuidar de suas amizades, tinha tempo para todo mundo, sempre. Cuidava de seus afetos, como diz uma outra amiga minha. Nossa última mensagem trocada no início do mês diz tudo de nossa amizade e carinho, pois sabendo que ele estava doente, fiz questão de reforçar o quanto ele era importante na minha vida e o quanto eu era grata por isso. Faço minhas agora as frases do parágrafo de despedida dele, desta que seria nossa última troca de e-mails: “Você mora na minha memória e no meu coração. Adoro você! Conto com sua amizade e com suas orações.” Pode contar Victor, pra sempre. Você é que é uma pessoa linda que vai ficar pra sempre na minha memória e no meu coração. Te adoro, querido amigo. Fique em paz, fique com Deus. Rezarei por ti. Até!

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

SAMPA 458

458 anos. Nós aqui, há pouco mais de 458 dias... O que são 2 anos para quem existe há 458? Mas 2 anos são suficientes para descobrir o que não se entende. Tudo que apenas se sente.

A cidade reticente, que aquece a gente com toda a sua frieza, com os dias gelados e o céu cinza. O que acontece que nos prende? A cidade múltipla, agitada. É estressada mas saber ser, em toda a sua loucura, acolhedora, prestadora. Prestativa, ativa.
São Paulo é feia e linda. É dura e infinita.

Enorme! (assusta)

E por isso mesmo, cabe tudo, cabe todos. É inclusiva, plural, multicultural. Aqui tudo e todos coexistem. Com dores, às vezes. Outras tantas, de forma mais fácil.
Há poesia na dura concretude de suas esquinas, com observou genialmente Caetano. Quem se abre para esta cidade, descobre seus encantos. Sim, ela tem segredos!
Há muito mais do que o lixo, o tumulto, o trânsito, a pressa e o caos. E onde não há?

São Paulo tem calor, fervor, mistura, pensamento, criatividade, expressão, humor.

Em 2 anos, ainda não a conheço embora ouse falar dela como se íntima fosse. Quero mais tempo para desvendá-la. Mas curto, aproveito e não julgo. Olho, observo e vivo. Nela, com ela.

Parabéns São Paulo! Cuide-se. Cuidemos dela.

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Dezembro

Chegou o mês temido e desejado. Mais temido e mais desejado, como nunca!

Todo final de ano é a mesma coisa, ou quase.
Aquela sensação de um ciclo se concluindo, a expectativa de novos horizontes e oportunidades com a aproximação de um ano novinho em folha.
Cansaço acumulado (o que é uma injustiça com o final do ano, pois andamos assim o ano inteiro - e um delírio, como se o simples fato de virar o ano fosse fazer seu corpo ficar descansado, mas OK, de fato algumas pessoas conseguem ter aquela coisa excêntrica chamada "férias").
Tem aquela correria de final de ano, aquela sensação de que você precisa acabar tudo que ainda nem começou a fazer...
Todo ano.

Mas este dezembro é especialmente mais confuso pra mim. Nunca quis tanto que um mês chegasse e nunca quis tanto que um mês não acabasse.

Minto: na gravidez eu tive um mês assim: louca para que a Bruna nascesse e ao mesmo tempo curtindo a barriga e com um certo medinho do que viria pela frente, não queria que o dia chegasse logo, ao mesmo tempo que queria muito. Era uma sensação deliciosamente confusa.

Esse dezembro de 2011 está bem parecido. Cansada, com saudades da família e do Rio, precisando me sentir cercada por quem me ama, querendo que a filhota veja os primos e conviva mais com a família; por tudo isso, estou contando os dias para tirar minhas mini-férias, ir pro Rio, passar Natal e Reveillion em família. Ansiosa mesmo, louca para que passe rápido e chegue logo o dia de pegar o avião.
Por outro lado, calculo que precisava de mais uns 3 meses este ano para dar conta de tudo que estou fazendo, para conseguir captar todos os recursos que preciso para os projetos em que trabalho, para ajustar o compasso de uma série de coisas. Então, metade de mim quer que dezembro se arraste e que dê para fazer tudo o que preciso.

Milagre, dá pra rolar um, este mês?
Que seja breve e que seja longo.

Que haja tempo para ter sucesso em todos os compromissos. Que o encontro com a família chegue logo. Que eu tenha disposição de me desdobrar! Que eu possa parar de pensar...

Querer tudo ao mesmo tempo = esse mês essa característica está mais intensa em mim.
Não sei se o Sr. Tempo vai pisar no acelerador ou no freio. Só sei que eu vinha temendo este dia, por todo este cenário que eu vislumbrava.

E ele chegou.

01/12/2011

Lá vamos nós. Bééééé!

sábado, 5 de novembro de 2011

As pessoas de Pessoa e nós (ou sobre como a poesia faz bem...)

Ontem à noite, bem cansada, pedi ao marido que cuidasse das providências da hora de dormir com a filhota: trocar a roupa para um pijaminha, escovar dente, botar para fazer xixi. Enquanto ele providenciava tudo, deitei-me na ótima companhia de Fernando Pessoa. Ando viciada em ler seus poemas e outros escritos. O homem que era um e vários e nenhum. Uma angústia que, traduzida em palavras (as muito bem escolhidas por ele), é de uma beleza ímpar. Mas que devia ser algo terrível psicologicamente falando. Me identifico com as indefinições dele.

Mas a surpresa curiosa da noite veio com Bruna. Ela se deitou junto comigo e perguntou curiosa:

- Mamãe, o que você tá lendo?

- Poesia, filha.

- Lê pra mim?

Me vi um tantinho embananada por uns segundos. Aquela poesia angustiada para uma criança? Bom, resolvi ler em voz alta, exatamente da página em que havia parado. Mas achei que ela ia se entediar, dormir ou até reclamar. Nada. Ficou quietinha escutando, deitada aninhada comigo. Li mais uma, caprichei na entonação. Fui recitando e ela muito atenta, ouvindo. Depois da terceira ou quarta, fechei o livro e disse a ela que era hora de dormir e que ela precisava ir pra caminha dela. E ela me olhou com uma carinha muito incrédula, como quem não acreditasse que aquilo tinha que parar naquele momento e me disse:

- Lê mais pra mim, mamãe?

- Você quer que eu leia mais poesias pra você filha? Dessas mesmo que eu estava lendo?

- Sim!

A resposta simples, curta e direta, bem típica da Bruna: "sim" foi uma grata surpresa até para essa mãe toda cultural. Fernando Pessoa não era adequado para ela, pensava eu, as palavras difíceis para o vocabulário de uma menina de 3 anos não deviam fazer o menor sentido para ela... Humpf! Ledo engano. Aquilo tudo estava simplesmente bom pra ela. Agradável. Bonito. O poder da poesia.

Não sei afinal quantas li. O pai chegou pra dormir, a cama apertou e já estava tarde: hora dela ir pro quarto dela. Recital encerrado.

A noite terminou com todas as pessoas de Pessoa ecoando nos nossos corações e pensamentos.

E com uma lição aprendida pela mãe: a beleza e a força das palavras vão muito além de faixas etárias, da simples compreensão de seus significados. Poesia é ritmo e encantamento sempre

segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Halloween é o cacete?! Pero que las hay...



O dia 31 de outubro chegou e não posso deixar de me incomodar com ele. Esclareço logo de cara que não tenho nada CONTRA o "dia das bruxas", apesar do título deste post. Adoro conhecer outras culturas, vê-las valorizadas, acho a festa divertida, a história do Halloween interessante, enfim, nada contra. O que eu questiono e o que me assusta é a forma como este evento tem sido tratado por nós, brasileiros. A colonização cultural americana é um fato tão evidente neste caso, que me espanta que ninguém se dê conta e que as pessoas entrem neste jogo sem sentir. E minha maior preocupação se dá ao ver escolas e profissionais da cultura e da educação no Brasil promovendo com fervor esta comemoração que não é nossa.

O Halloween é uma tradição anglo-saxã. Não guarda nenhuma relação com nada no Brasil. Entrou aqui por meio da difusão do american way of life americano, especialmente através do cinema. Estimulado pelo setor de festas e eventos e pelo comércio, que descobriram no filão do dia das bruxas um negócio lucrativo, que gera dinheiro em função da realização de festas a fantasia e eventos do tipo. O comércio de doces também agradece, obviamente. Até aí tudo bem, sou pessoalmente festeira e trabalho na área de eventos: acho ótimo termos mais uma oportunidade de negócios.

A minha implicância com o Halloween - me digam se tenho ou não razão - vem da inclusão dele como um evento do calendário nacional, de sua inclusão nos projetos pedagógicos e no calendário escolar. Ainda que informalmente, isto tem acontecido. Para quê? Por quê? Não é uma festa nossa, não guarda relação nenhuma com nossa cultura e, por isso, não faz o menor sentido que seja valorizada além do que já é comercialmente. Em pleno tempo de conscientização sobre consumo sustentável, a gente incute na cabeça das nossas crianças mais uma celebração de fundo meramente comercial, que vai estimular o consumo de porcarias descartáveis - em sua maioria de plástico, o uso descartável de fantasias e o consumo desenfreado de doces, que também já sabemos não serem recomendáveis (sem falar na questão da colonização americana, que muito me incomoda, mas nem vou entrar nessa discussão ideológica mais profunda aqui).

Temos celebrações parecidas legitimamente nossas (que até seriam comercialmente interessantes também, para ser insustentavelmente incorreta... risos) que me parecem cada vez esquecidas da nossa vida sócio-cultural, familiar e principalmente escolar. Nosso carnaval: muita gente viaja no carnaval e as crianças já não participam mais de bailinhos e se fantasiam nesta época. O baile de carnaval é bacana porque estimula o relacionamento social, valoriza a música popular brasileira, e brinca com o lúdico através das fantasias. A gente precisaria de Halloween? As brincadeiras ou travessuras, com a corrida de casa em casa atrás dos doces: alguém se lembra disso na vida? A gente fazia isso no dia de Cosme e Damião! Não importava a religião, a brincadeira era permitida para todos, mesmo quem não acreditava ou não gostava dos tais Santos. Essa tradição sumiu da nossa cultura, talvez pelo preconceito que muitos católicos e evangélicos têm em relação aos Santos que são muito cultuados pelas religiões afro. Ou pelo esnobismo de nossas classes sociais mais abastadas. A violência também pode ser um fator de impedimento de se deixar as crianças por aí, correndo pelas ruas atrás de doces. Talvez o papo politicamente correto de que doce faz mal também tenha contribuído de alguma forma... O fato é que se nos EUA, Canadá e Reino Unido as crianças podem bater de porta em porta nos condomínios com casas sem muros pedindo doces, aqui a gente tem dificuldades práticas de manter a cultura de doação de doces no Cosme e Damião, porque estamos engradeados em prédios ou condomínios, cercados de muros e grades e ninguém bate mais na porta de ninguém. Não seria muito mais pertinente trabalhar para resgatar o Cosme e Damião, que era uma tradição cultural nossa, até para quebrar os preconceitos em relação às diferentes religiões, estimular a coexistência pacífica e multicultural, do que estimular o Halloween nas escolas?

E, não posso deixar de falar do nosso FOLCLORE. O mês de agosto "passou batido" no Brasil. O tema faz parte do calendário escolar, mas muito au-pausant. Não tem festa e fantasia como no Halloween... Não tem a mídia valorizando e promovendo em cima, como tem no Halloween. Sendo que culturalmente seria muito mais rico falar dos diferentes mitos, lendas e histórias do nosso folclore, uma vez que todos guardam relação com nossos colonizadores originais (índios, negros africanos e brancos europeus) e se relacionam com nossas vidas, influenciam nossa história e modos de vida até hoje... Não teria muito mais sentido valorizar os nossos seres fantásticos (saci, mula sem cabeça, os bois do norte e nordeste, etc) do que os psicopatas e monstros alienígenas e toda a paranóia americana?

Nem dia de finados é aqui no dia 31/10. Nosso dia de culto aos mortos vem logo depois, em 2/11. Então, me explica; desenha pra mim que eu não entendi: porque abóboras estamos comemorando esse tal de Halloween mesmo, hein?!
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A minha resposta é: porque os americanos resolveram difundir isso e a gente está comprando direitinho, sem questionar, sem pensar, sem avaliar. E, pior, em breve, coisa de dez, quinze anos, este cenário terá se firmado definitivamente no Brasil. As próximas gerações vão continuar reproduzindo esta agenda, exatamente porque, na mais tenra infância, estamos fazendo nossos filhos participarem disso. Daqui a alguns anos, será normal o "dia das bruxas" e super estranho o "Cosme e Damião". O Halloween será mais comemorado do que o nosso dia do folclore, certamente. Ou o dia do Saci, que é hoje, inclusive (e acho que isso deve ter sido invenção de alguém que, como eu, implica com o Halloween e quis criar um concorrente à altura... Mas o Saci está perdendo feio, coitado!)

Mas cumpri o protocolo. Mandei minha filha fantasiada para a escola hoje. Não de bruxa, nem de monstro ou esqueleto. Tampouco tinha disponível uma fantasia relativa ao nosso folclore em casa, infelizmente. Não ia comprar uma fantasia para usar só uma vez, num dia cuja comemoração sou contra (e isso não seria uma atitude sustentável, certo?). Não sou boa em costura e no artesanato para criar uma. Então, para ela não se sentir excluída, mandei-a com a blusa vermelha que tem uma capa azul, tipo super herói (americano, né?! Dá pra fugir disso?!!!) Bom, a blusa não tem logos nem nomes de nenhum super. Então eu defendo que hoje ela era a super BRASILEIRA, a menina anti-halloween, minha super heroína em quem espero poder ver um dia refletida uma consciência crítica para brincar, aproveitar e curtir as coisas de sua geração, sem radicalismos e pré-conceitos, mas valorizando a cultura nacional e refletindo antes de consumir culturalmente e absorver conceitos e conteúdos alheios como se fossem o grande barato. Pelo menos, que ela saiba que isso não é nosso.

Deixem-me montar na minha vassoura agora! "E lá vamos nós!" que hoje eu estou meio bruxa mesmo. Las hay, las hay.