Por fim, outro motivo de inspiração foi o ritual de despedida do meu avô. Ele pediu para ser sepultado na “irmandade” onde atuou por 71 anos (descobri esta data hoje). Eu sabia que ele era espírita, que freqüentava este lugar em Guapimirim onde sempre se referia como “irmandade”, sabia que era devoto de São Jorge pela história do nome do meu pai... Mas eu não tinha noção do que era esta irmandade, de quem era o meu avô lá. Curioso que ele nunca atuou missionariamente em família: nunca nos convidou a ir lá, nunca nos estimulou a fazer parte de sua religião. Nunca. E que impacto teve esse dia de hoje! Cheguei à conclusão que não conhecia mesmo o meu avô. Havia ali uma outra vida, um outro ser, tanto que até outro nome ele tinha lá: Zairths. Confesso que eu tinha curiosidade de saber como seria seu enterro, por saber que ia ser nesta irmandade da qual ninguém da família sabia muita coisa. O lugar é como um sítio, com riacho. As várias casas abrigam muitas capelas, muitas imagens de santos católicos, uma tenda em homenagem a um preto velho, muitos números escritos em locais estratégicos (alguns se repetiam mais vezes como 33, 777), triângulos, estrelas de Davi, desenhos de planetas. Numerologia, astrologia, umbanda, catolicismo, kardecismo, kabala, maçonaria... A impressão que dá ao visitante leigo é que a “irmandade” é uma espécie de seita, uma religião baseada numa grande mistura de várias outras religiões. Bastante confuso para quem não conhece.
Se intitulam “Irmandade Espiritual Estrela Dalva”. O local é chamado de Cidade Wandú e também se nomeiam “Maçonaria Oriental Wanduísta”. Foi fundada pela senhora Maly-Hilda em 1938. Uma placa no local traz os nomes da fundadora e de seus discípulos, com seus respectivos “cargos” e nomes na Irmandade, pois ali dentro todos passavam a ter nova identidade. Meu avô era o único que ainda estava vivo na lista da placa, com cerca de 15 ou 20 nomes. E seu cargo de “guardião de honra” listava no topo, abaixo apenas da fundadora e de um outro cargo cujo nome agora não recordo. Além desse cargo expresso na placa, seus companheiros presentes no cerimonial do enterro o chamaram também de “reverendo IED” e “sacerdote Zairths” várias vezes durante a estranha cerimônia que presenciamos.
PARENTESE: [quando me refiro ao meu estranhamento, é pelo total desconhecimento da existência daquela instituição. Não faço nenhum tipo de julgamento, até porque, eu entendo que aquela, como TODAS as religiões, é feita POR homens e para os homens. Portanto tem defeitos e interesses como qualquer ser humano. Mas também, como toda religião, pretende ser algo do bem, que faça as pessoas serem melhores, seja aqui mesmo ou na vida espiritual. Que agrega pessoas em torno de certos valores selecionados pelo próprio grupo, pessoas com uma identidade comum em prol de alguma causa, geralmente. Vejo isso positivamente, não há preconceitos ou julgamentos na minha fala. Apenas estranhamento, no sentido mais pleno da palavra, o do desconhecimento sobre algo e da percepção da novidade.]
O sepultamento tem uma série de rituais. Uma sequência que começou às 10h e acabou depois das 13h. Mas o que vale destacar é o local onde ele ficou. Onde, nem sabíamos, mas era onde ele TINHA que ficar. Ainda bem que ele nos disse antes de partir onde gostaria de ser enterrado. A Irmandade tem um pequeno cemitério, no lado esquerdo da estrada de quem vai à Teresópolis, logo depois da entrada de Guapimirim, quase em frente ao portal de entrada da cidade. Um lugar que não se vê da estrada, não se vê nada de lugar algum. Escondido entre a vegetação, um local bonito guarda os membros da Irmandade, sendo que há um platô mais alto, onde está sepultada a fundadora, com um imenso e belo jazigo de mármore branco. Ao seu lado esquerdo, um jazigo bem mais simples e menor, de seu marido. E acima dela na colina, dois túmulos: para os dois guardiões de honra da Irmandade que passariam ali a ser também guardiões da fundadora. Um deles já estava ocupado pela outra guardiã: uma senhora já falecida e o outro estava à espera do meu avô! O lugar mais alto da colina, como guardião da fundadora, lhe aguardava. Ocupar esse lugar não era apenas ter onde repousar, entendi ontem... Ele tinha uma missão a cumprir mesmo após a morte. Sua inserção ali como guardião é mais uma etapa de sua jornada na Irmandade, uma etapa pós vida. Uma missão espiritual. Por isso ele avisou que queria ir pra lá. Ele tinha que ir pra lá. Um bonito lugar, uma história interessante, quase encantadora para quem ali estava descobrindo todo um novo universo.
Como se não bastasse tantos motivos inspiradores para compartilhar esta experiência com vocês, ainda teve o discurso de despedida de um dos companheiros de Irmandade do meu avô, contando a história de sua entrada na instituição, de como conheceu a fundadora e se “apaixonou por ela”, “uma história de amor”, disse o sujeito. E não pareceu falar no sentido figurado. Conhecendo o interesse do meu avô pelas mulheres e sabendo que a tal fundadora era uma pessoa bastante erotizada, ou nas palavras da “super sincera” minha mãe: “uma mulher que só falava sacanagem” como assim a definiu por tê-la conhecido pessoalmente na década de 60... Dá para imaginar meu avô tendo um caso com a tal Maly-Hilda. Meu lado barraqueira teve um segundo de revolta no meio daquela despedida, afinal achei aquele discurso sobre o amor dos dois uma sacanagem com a minha avó. Mas ela já faleceu há 20 anos, já deve estar bem evoluída e nem um pouco interessada nas aventuras do meu avô no plano físico. Silenciei, calei a barraqueira e, automaticamente o meu lado romântico novelístico veio à tona. Imaginação de escritora? Sei lá, mas lembrei dos livros do Dan Brown: teria aquela seita rituais secretos? Pergunto com o maior respeito, é bom destacar, afinal isto é um texto, vai ficar aí e ninguém está ouvindo minha entonação. Pergunto seriamente, respeitosamente, repito. Será que existem ali segredos maiores do que todas as dúvidas que aquele lugar e todas as representações, textos, símbolos e números ali contidos já nos traziam à mente?
Não entendi nada de todo aquele cerimonial mas respeito. Meu avô dedicou 71 anos de sua vida àquilo. Fundada em 1938, ele se tornou membro em junho de 39 e participou ativamente até sua morte. Seus companheiros o elogiaram muito e nos falavam a toda hora sobre sua importância para aquele lugar e aquela Irmandade. Enfim, foi um dia estranho, cansativo, longo. Tinha a tristeza da despedida e a curiosidade que a novidade das descobertas – ou das não descobertas; das dúvidas suscitadas – trazia. A gente espera, ao menos, ter colaborado para que ele cumprisse sua missão e ter feito sua vontade. Que ele esteja feliz e em paz. Valeu, Seu Almeril.
(Mas ficará a pergunta: quem terá sido Zairths afinal?..)
Olha até eu que não conheceu seu avô ( sinto muito por ele) fiquei curiosa... quem seria Zairths?
ResponderExcluirObrigada por seus sentimentos Lilian.
ResponderExcluirInfelizmente, esta é a pergunta que vai ficar sem resposta...
Bjs!
Nossa, Dani! Que história! Engraçado como esses momentos de transição (morte, nascimento, quase morte) provocam reflexões e resgatam coisas esquecidas lá no fundo do baú.
ResponderExcluirO meu pai é gaúcho, por isso eu tive pouco contato com esse pedaço da família. Minha avó paterna morreu quando eu tinha 5 anos, só me lembro que ela rezava todos os dias em frente ao rádio ao som da Ave Maria. Meu avô paterno morreu quando eu trabalhava na Vale, mas ele nunca veio o Rio, então nossa convivência era 1 semana por ano, quando íamos visitá-lo. É engraçado como eu o vejo em vários velhinhos que cruzam comigo na rua.
Já os meus avós maternos são um grude comigo (ou eu com eles?). Adiei meu casamento por 1 ano porque minha avó descobriu que tinha cancer de mama. Incrivelmente, foi a decisão mais difícil da minha vida até hoje, pois enquanto algumas pessoas diziam para eu casar logo, enquanto ela ainda estava viva, meu coração dizia para esperar, pois queria que ela dançasse e curtisse o meu casamento. Graças a Deus deu tudo certo.
O meu avô (que não é meu avô de verdade, mas namora com a minha avó desde que minha mãe tinha 4 anos) fez 80 e algo ontem. Detalhe: ele teve um derrame no sábado e estava sem andar até segunda! Outro dia minha avó reclamava que ele furava os ternos com os pins da Maçonaria e que ela não deixava ele usar o terno novo e tal. Aí eu falei que ele já estava velho, que ele ia acabar morrendo e o terno ia ficar aí. Depois me lembrei de quem eu estava falando: Seu Paulo não tem a menor pretensão de morrer. Engraçado que esse avô eu só conheci de verdade depois de grande, pois ele vivia no bar com os amigos quando era mais novo. Só depois do 5o derrame ele sossegou, parou de beber, casou-se com a minha avó e passou a ficar com a família. Ainda bem que deu tempo!
Que os 90 anos vividos por ele te sirvam de consolo.
Beijos,
Era uma história, né?! Eu tinha que compartilhar... Uma história dessas!
ResponderExcluirMuito legal a sua história com seus avós. Interessante você achar que via seu avô nos lugares. E adorei vc ter esperado sua avó ficar boa para casar! Lindo.
Obrigada por compartilhar aqui tudo isso.
E aproveite mesmo enquanto há tempo! :-)
Beijos!
Olá, meu nome é Marcos e conheçi bem seu avô. Sou nascido, batizado e criado dentro da Irmandade Espiritual Estrela D'alva e foi lá que cresci vendo e conheçendo seu avô.
ResponderExcluirMeu pai, assim como seu avô, também tinha "nome de Espírito" e seu nome também está na placa de ferro a qual se refere. Pois assim como seu avô, ele também foi um colaborador para concretizar tudo que temos hoje.
Seu avô era formidável e até hoje quando termina uma Cerimônia, sinto falta dele sentado nma cadeira ouvindo no seu radinho o jogo do Flamengo. Foi na terra um grande homem ( com seus defeitos é claro, assim como todo ser humano ) e com certeza, está colhendo os frutos positivos de uma existência terrena voltado para sua evolução espiritual. Abraços.
Muito obrigada, Marcos, pelo seu comentário!
ResponderExcluirMe emocionei e vou repassar à família - especialmente aos filhos do Zairths - para que saibam o quanto era querido.
Bacana o seu pai também ser um dos colaboradores da Irmandade. Desejo sinceramente que vocês possam dar continuidade ao projeto que estes senhores criaram com tanta dedicação e carinho.
Grande abraço!
OBS: a figura do meu avô com seu radinho é mesmo inesquecível... E ele ainda torcia pelo América! Uma relíquia mesmo este Seu Almeril. :-)
Belo texto, é tão bom ler sobre a IEED quando o escritor é leigo, pra quem nasceu lá dentro como eu e o Marcos, fica difícil visualizar a grandeza e ao mesmo tempo as peculiaridades de Estrela D'Alva. Infelizmente não pude me fazer presente no sepultamento mas tenho certeza que guardando Maly Hilda lá está seu avô como guarda de Honra, cumprindo sua missão não mais na Terra e sim no Espaço. Abraços
ResponderExcluirOlá Dani! por acaso passeando pela web, com saudades da irmandade, acabei parando aqui no seu blog. Então só queria te dizer que eu sou nascida e criada nesta irmandade desde 74, e seu avô era um dos meus "vovôs emprestados". Seu avô me "viu nascer" e frequentei a irmandade até uns 3 anos atrás. Não fui ao seu sepultamento mas aproveito a oportunidade para dizer que ele ficará nos corações de muitas pessoas, jovens e velhas (eu tenho 37 anos). Enfim, Almeril era um querido "vovô" para mim e minha família e um sacerdote dedicado. Nunca me esquecerei seu jeitinho de menino maroto e do radinho de pilha! (rsrs) Meus sentimentos a vc e sua família. Vc teve oportunidade de conhecer um lugar realmente sagrado para nós "IEEDs". E respondendo um pouco à sua pergunta, sim, temos muitos mistérios e segredos, cabalas para trabalho em benefício de todos nós, da humanidade. Adorei a oportunidade! Um abraço!
ResponderExcluirObrigada por virem aqui depor sobre meu avô. Fico orgulhosa e feliz a cada depoimento carinhoso. Muito bom! Mostrarei a meu pai também. Fico feliz que participem. O lugar é encantador. Parabéns por rezarem pelo bem de todos nós.
ResponderExcluirAh, e o radinho de pilha do vô era realmente inesquecível!! :-)
Grande abraço!
Obrigada Querida, tomo a liberdade de lhe dizer, com todo carinho, que Reverendíssima Maly Hilda (Hilda Roxo)era uma sacerdotisa, missionária, encaminhadora de almas, nossa "Mestra" espiritual, encarnação da Deusa do Amor. Trabalhou com Chico Xavier, fundou diversos templos em prol da nossa evolução. Era realmente difícil naquela época, compreender que uma mulher, e ainda tão nova, bonita e independente, poderia ser uma sacerdotisa espírita, uma serva de Jesus, e ainda com uma filosofia oriental espitirual tão complexa. Tenha certeza que seu avô foi amado como filho, assim como todos nós, e que ela foi e é tão amada por todos nós como a nossa "Dindinha", nossa madrinha, nossa mãe, nosso tudo... Um grande abraço!
ResponderExcluirOi Dani,
ResponderExcluirSou de São Paulo, e tambem um Reverendo IEED,
Muito bonita a sua visão sobre a descoberta da vida IEED de seu avô, e referente a Irmandade, temos aqui em São Paulo, e tambem em Brasilia.
No Facebook da IEED-SP, temos algumas de nossas fotos e tambem no nosso jornal no link a seguir.
http://www.ieed-sp.org.br
E Como ai no Rio aqui tambem temos os nossos vovós e vovôs, que ja fizerão a passagem, Reverendos que fazem falta a todos e sempre presente em nossos pensamentos.
Paz e muita luz no seu caminho.
Paz e luz no caminho de todos e obrigada pelos comentários e links. Abraços!
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