terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

As contradições culturais de um paisão

Morei no Pará por quase 2 anos. Sempre ouvi dizer que a cultura paraense é forte, que se trata de um povo que valoriza sua cultura e mantém suas tradições. Bacana. Há alguns poucos anos, os paraenses chamaram a atenção da indústria cultural ao conseguir furar o bloqueio mercadológico (sim, ele existe) e fazer estourar o fenômeno da música tecno-brega, inovando na forma de produção e venda do produto cultural através do auto-pirateamento, que nada mais foi do que uma grande "banana" que um grupo musical deu às grandes indústrias fonográficas produzindo e vendendo seus próprios CDs a baixo custo, na empolgação do momento nos seus shows. Sucesso absoluto, recorde de vendas e o mercado se rendeu ao tecno-brega, incorporando-o às grandes mídias, dando espaço para sua divulgação e, assim, conquistaram um país. Bacana.

Mas será mesmo que é possível afirmar que a cultura é algo forte no Pará? É sim, se pensarmos no ponto de vista antropológico. Mas quando pensamos nos moldes "lei rouanet", que institucionalizou algumas categorias artísticas como "cultura", a resposta é não. A "cultura" não chega e não sai do Pará.

Explico: não há fomento ao teatro, à dança, à música, às artes visuais produzidas pelos paraenses. Os poucos que produzem não circulam além do eixo amazônico. Não há divulgação, promoção e estímulo à produção destes artistas - alguns muito bons.

Por outro lado, a "cultura" que é promovida no eixo Rio-SP-BH-DF não se espalha além disso (com raras exceções para o sul?) e não chega ao Pará. O belíssimo Teatro da Paz, por exemplo, passa a maior parte do ano vazio, sem atividades. Quando chega uma peça do eixo dominante Rio-SP, é uma daquelas comédias com roteiro e atores televisivos 'globais', com duração de um final de semana - certeza de ingressos esgotados. Nada contra, mas não creio que seja um intercâmbio enriquecedor.

O paraense não tem opção de programação cultural no seu final de semana (aliás, muitos dos equipamentos culturais da cidade fecham em finais de semana e feriados!). Em algumas oportunidades ao longo do ano, iniciativas como Festivais dão sua colaboração. Mas em gera;, o que se vê é o paraense indo ao shopping como opção de lazer (??!) no final de semana. Os que têm mais dinheiro vão ao cinema consumir os blockbusters da indústria cinematográfica mundial (leia-se americana) ou vão para Salinas se divertir. Nos bares, há sim música ao vivo local. Mas o que interessa no boteco é o bate-papo; a música é só fundo para embalar romances ou comemorações.

Shows musicais são muito raros e caros.

Mas alguém há de me perguntar: e a história de que o paraense é muito cultural? Em parte, eles preservam suas manifestações populares típicas, como o carimbó e as comidas. No caso da gastronomia, muito mais por hábito mesmo. No caso do Carimbó, já se pode ver uma certa caricatura, uma leitura "para turista ver", assim como eu acho que houve com o samba carioca.

É preciso uma interferência política para que os bons músicos - por exemplo - saiam dos rincões do país e possam tocar 'onde o povo está' e mostrar a diversidade musical, no caso, brasileira de norte a sul do país. Aí sim nós poderemos falar de "difusão, promoção e circulação da diversidade cultural brasileira".

Nenhuma empresa vai se interessar em promover aquilo que ela não conhece e como as empresas patrocinadoras de cultura (via incentivo fiscal/Lei Rouanet) estão concentradas no sudeste...

Sem uma interferência consciente e politizada - seja ela de origem governamental ou popular - estaremos falando e reproduzindo apenas um discurso vazio, mentiroso, ilusório e uma ação cultural ineficaz.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Obrigada por participar! Valeu por comentar.