quinta-feira, 29 de abril de 2010

Filhos e padrões de consumo

Depois de ser mãe ocorre naturalmente de nos debruçarmos mais sobre as questões da maternidade. Além disso, é natural que mais pessoas venham lhe falar sobre o assunto. O fato é que o tema se torna mais freqüente entre conversas, sejam com outros pais ou até mesmo com aqueles que ainda não o são.

E tenho me espantado muito com tudo o que tenho ouvido e visto, especialmente de pais e mães. Quando falam sobre porque tiveram ou querem ter seus filhos, como querem criá-los ou como os estão criando, o que pensam e esperam desta nova empreitada em suas vidas, os pais têm deixado claro coisas que me surpreendem muito, negativamente.

Lamentavelmente, eu tenho constatado que filhos são objetos de consumo. O desejo de ter um filho não vem do amor, da vontade de criar uma criança, educá-la, amá-la incondicionalmente e ter esta outra vida como sua prioridade. Infelizmente, pais e mães têm filhos porque é o que a sociedade espera deles, porque querem estar no mesmo padrão dos amigos, porque podem deixá-los na creche ou com a babá quase 24 horas por dia e afirmo ousadamente que a única diferença entre o desejo de ter um filho ou comprar um carro novo é o risco que a primeira opção traz em si: de ter um filho com problemas de saúde, por exemplo. No mais, os filhos são desejados tal qual um objeto qualquer.

Ter um filho é uma meta a alcançar. Assim como algumas pessoas casam e se mantêm casadas por questões de aparência, tenho notado a mesma frieza em certos pais. Ter um filho pode fazer parte de uma competição entre grupos de amigos ou familiares. Depois o que fazer com ele é um problema para a creche e a escola resolverem. E não estou exagerando. Evidentemente não estou dizendo que toda a humanidade tem se comportado assim: para meu alívio, conheço muitos pais que tiveram seus filhos por amor (a eles). Mas é fato que muitos pais têm seus filhos por amor à sua própria imagem. E o que eu tenho sentido, é que isto é uma tendência que tem muito a ver com o nosso modelo de sociedade de consumo desenfreado. Ter filhos faz parte disso. Terceiriza-se a educação, o bem estar, os cuidados básicos... É possível ter babá 24h, inclusive nos finais de semana. A responsabilidade de educar fica absurdamente relegada exclusivamente para a escola. Os cuidados básicos (que também significam carinho e atenção) são realizados por terceirizados contratados para tais funções. Pais querem sair e viajar sozinhos (o que não é nenhum pecado, desde que as crianças já tenham idade suficiente para compreender esta separação. O problema é que os pais não querem esperar alguns anos...).

Quais os cuidados destes pais com seus filhos? Quais os momentos que passam verdadeiramente juntos se até para passear as babás vão junto – assegurando a “paz” destes pais? Qual o tempo dedicado a seus filhos, à brincadeira, ao riso? A prestar atenção exclusivamente neles, estar junto integralmente?

Sim, é preciso trabalhar, pagar as contas e garantir um bom futuro, uma boa educação para os filhos. Mas educação sem amor, sem afeto, sem atenção: funciona? Amor, afeto e atenção exigem tempo, dedicação. “Ter que trabalhar” virou a desculpa perfeita, mas se avaliarmos bem, olhando amiúde, não cola na grande maioria dos casos.

Alguém pode estar pensando: fácil ela falar pois ficou em casa com a filha... Minha opção não foi sem sacrifícios: antes, durante e depois. Não foi à toa que eu sempre quis ser mãe e adiei isto até o momento em que o pudesse ser da maneira que entendia correta. Pode parecer radical, mas não é: defendo que só se deve ter um filho quando se tem as condições para tal. E condição não é ter grana para colocar na melhor escola e viajar todo ano. Mas ter o suficiente para se manter uma casa saudável e TEMPO para se dedicar a esta criança. Estar junto com ela. Isto sempre foi essencial na minha cabeça. Eu sempre me impressionei com as minhas amigas que tinham bebês e voltavam antes da licença maternidade acabar, achava aquilo um crime. Ficava sentida pelas crianças, juro. Comovida. Ou com as amigas que trabalhavam até altas horas e viajavam muito, tendo filhos pequenos. É o dilema da mulher moderna? Em parte sim, equilibrar realização pessoal, profissional e maternidade. Mas o fato é que muitas mulheres PODEM abrir mão do lado profissional por um tempo. Com um pouco de organização financeira em casa e um sacrifício pessoal de passar uns tempos como dependente, é possível dedicar-se ao bebê além da licença maternidade e dar a ele o melhor que ele precisa: atenção, carinho e amor. (Eu defendo que se passe todo o primeiro ano de vida junto com a criança e depois, gradativamente, vá havendo o afastamento natural e também necessário para a criança). Mas por que não abrem mão? Porque não podem, não conseguem ficar sem consumir. O que importa mais: poder comprar a bolsa ou sapato que lhe der na telha – mais um na sua coleção – ou ter tempo para brincar de massinha com seu filho? Muita gente não se dá conta, porque a sociedade de consumo é perversa e te envolve sem que sinta, mas desculpas são inventadas a pretexto de se ter o PODER de consumir. Qualquer coisa. Será que não dá mesmo pra ficar uns meses sem trabalhar e deixar as contas por conta do marido ou vice-versa (por que não o pai ficar com a criança?).

Foi quando percebi, nestas conversas mais recentes, de mãe para mãe, que muitas não querem de fato ter um filho. Tê-los faz parte de um padrão de consumo a ser atingido. De um status social.

(parêntese fundamental: não estou dizendo que minhas amigas que viajavam e trabalhavam muito ou que voltaram antes do tempo da licença eram estas pessoas. Em muitos casos, realmente precisavam ou eram obrigadas por uma série de fatores – que dariam outras reflexões – a fazer isto)

Não tenho condições de desenvolver uma tese sobre o assunto: precisaria ter conhecimentos muito mais profundos de sociologia, antropologia e psicologia, mas é uma triste constatação a que eu cheguei: para muitos, hoje em dia, filhos são parte de um grande projeto de consumo e status social. E ou são trocados pela falsa sensação de poder que o consumo nos dá.

Não sou leitora do Padre Fábio de Mello, mas li em algum lugar uma frase dele que gostei demais e até “adotei” no meu Orkut: “não há amor fora da experiência do cuidado”. Concordo e acho que a frase se encaixa plenamente no caso da pa/maternidade. Quando será que a nossa sociedade irá perceber que seres humanos melhores serão criados a partir do momento em que valorizarmos mais este cuidar e o estar junto do que o tanto de “coisas” que insistimos em querer lhes proporcionar?

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