segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Halloween é o cacete?! Pero que las hay...



O dia 31 de outubro chegou e não posso deixar de me incomodar com ele. Esclareço logo de cara que não tenho nada CONTRA o "dia das bruxas", apesar do título deste post. Adoro conhecer outras culturas, vê-las valorizadas, acho a festa divertida, a história do Halloween interessante, enfim, nada contra. O que eu questiono e o que me assusta é a forma como este evento tem sido tratado por nós, brasileiros. A colonização cultural americana é um fato tão evidente neste caso, que me espanta que ninguém se dê conta e que as pessoas entrem neste jogo sem sentir. E minha maior preocupação se dá ao ver escolas e profissionais da cultura e da educação no Brasil promovendo com fervor esta comemoração que não é nossa.

O Halloween é uma tradição anglo-saxã. Não guarda nenhuma relação com nada no Brasil. Entrou aqui por meio da difusão do american way of life americano, especialmente através do cinema. Estimulado pelo setor de festas e eventos e pelo comércio, que descobriram no filão do dia das bruxas um negócio lucrativo, que gera dinheiro em função da realização de festas a fantasia e eventos do tipo. O comércio de doces também agradece, obviamente. Até aí tudo bem, sou pessoalmente festeira e trabalho na área de eventos: acho ótimo termos mais uma oportunidade de negócios.

A minha implicância com o Halloween - me digam se tenho ou não razão - vem da inclusão dele como um evento do calendário nacional, de sua inclusão nos projetos pedagógicos e no calendário escolar. Ainda que informalmente, isto tem acontecido. Para quê? Por quê? Não é uma festa nossa, não guarda relação nenhuma com nossa cultura e, por isso, não faz o menor sentido que seja valorizada além do que já é comercialmente. Em pleno tempo de conscientização sobre consumo sustentável, a gente incute na cabeça das nossas crianças mais uma celebração de fundo meramente comercial, que vai estimular o consumo de porcarias descartáveis - em sua maioria de plástico, o uso descartável de fantasias e o consumo desenfreado de doces, que também já sabemos não serem recomendáveis (sem falar na questão da colonização americana, que muito me incomoda, mas nem vou entrar nessa discussão ideológica mais profunda aqui).

Temos celebrações parecidas legitimamente nossas (que até seriam comercialmente interessantes também, para ser insustentavelmente incorreta... risos) que me parecem cada vez esquecidas da nossa vida sócio-cultural, familiar e principalmente escolar. Nosso carnaval: muita gente viaja no carnaval e as crianças já não participam mais de bailinhos e se fantasiam nesta época. O baile de carnaval é bacana porque estimula o relacionamento social, valoriza a música popular brasileira, e brinca com o lúdico através das fantasias. A gente precisaria de Halloween? As brincadeiras ou travessuras, com a corrida de casa em casa atrás dos doces: alguém se lembra disso na vida? A gente fazia isso no dia de Cosme e Damião! Não importava a religião, a brincadeira era permitida para todos, mesmo quem não acreditava ou não gostava dos tais Santos. Essa tradição sumiu da nossa cultura, talvez pelo preconceito que muitos católicos e evangélicos têm em relação aos Santos que são muito cultuados pelas religiões afro. Ou pelo esnobismo de nossas classes sociais mais abastadas. A violência também pode ser um fator de impedimento de se deixar as crianças por aí, correndo pelas ruas atrás de doces. Talvez o papo politicamente correto de que doce faz mal também tenha contribuído de alguma forma... O fato é que se nos EUA, Canadá e Reino Unido as crianças podem bater de porta em porta nos condomínios com casas sem muros pedindo doces, aqui a gente tem dificuldades práticas de manter a cultura de doação de doces no Cosme e Damião, porque estamos engradeados em prédios ou condomínios, cercados de muros e grades e ninguém bate mais na porta de ninguém. Não seria muito mais pertinente trabalhar para resgatar o Cosme e Damião, que era uma tradição cultural nossa, até para quebrar os preconceitos em relação às diferentes religiões, estimular a coexistência pacífica e multicultural, do que estimular o Halloween nas escolas?

E, não posso deixar de falar do nosso FOLCLORE. O mês de agosto "passou batido" no Brasil. O tema faz parte do calendário escolar, mas muito au-pausant. Não tem festa e fantasia como no Halloween... Não tem a mídia valorizando e promovendo em cima, como tem no Halloween. Sendo que culturalmente seria muito mais rico falar dos diferentes mitos, lendas e histórias do nosso folclore, uma vez que todos guardam relação com nossos colonizadores originais (índios, negros africanos e brancos europeus) e se relacionam com nossas vidas, influenciam nossa história e modos de vida até hoje... Não teria muito mais sentido valorizar os nossos seres fantásticos (saci, mula sem cabeça, os bois do norte e nordeste, etc) do que os psicopatas e monstros alienígenas e toda a paranóia americana?

Nem dia de finados é aqui no dia 31/10. Nosso dia de culto aos mortos vem logo depois, em 2/11. Então, me explica; desenha pra mim que eu não entendi: porque abóboras estamos comemorando esse tal de Halloween mesmo, hein?!
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A minha resposta é: porque os americanos resolveram difundir isso e a gente está comprando direitinho, sem questionar, sem pensar, sem avaliar. E, pior, em breve, coisa de dez, quinze anos, este cenário terá se firmado definitivamente no Brasil. As próximas gerações vão continuar reproduzindo esta agenda, exatamente porque, na mais tenra infância, estamos fazendo nossos filhos participarem disso. Daqui a alguns anos, será normal o "dia das bruxas" e super estranho o "Cosme e Damião". O Halloween será mais comemorado do que o nosso dia do folclore, certamente. Ou o dia do Saci, que é hoje, inclusive (e acho que isso deve ter sido invenção de alguém que, como eu, implica com o Halloween e quis criar um concorrente à altura... Mas o Saci está perdendo feio, coitado!)

Mas cumpri o protocolo. Mandei minha filha fantasiada para a escola hoje. Não de bruxa, nem de monstro ou esqueleto. Tampouco tinha disponível uma fantasia relativa ao nosso folclore em casa, infelizmente. Não ia comprar uma fantasia para usar só uma vez, num dia cuja comemoração sou contra (e isso não seria uma atitude sustentável, certo?). Não sou boa em costura e no artesanato para criar uma. Então, para ela não se sentir excluída, mandei-a com a blusa vermelha que tem uma capa azul, tipo super herói (americano, né?! Dá pra fugir disso?!!!) Bom, a blusa não tem logos nem nomes de nenhum super. Então eu defendo que hoje ela era a super BRASILEIRA, a menina anti-halloween, minha super heroína em quem espero poder ver um dia refletida uma consciência crítica para brincar, aproveitar e curtir as coisas de sua geração, sem radicalismos e pré-conceitos, mas valorizando a cultura nacional e refletindo antes de consumir culturalmente e absorver conceitos e conteúdos alheios como se fossem o grande barato. Pelo menos, que ela saiba que isso não é nosso.

Deixem-me montar na minha vassoura agora! "E lá vamos nós!" que hoje eu estou meio bruxa mesmo. Las hay, las hay.

Um comentário:

  1. Cabe destacar o ponto de interrogação do título. Para quem não sabe, a frase "Halloween é o cacete!" é de um movimento que há uns 5 ou 6 anos atrás encheu o Rio de Janeiro (não sei se ocorreu no país todo, não tenho conhecimento a respeito da difusão disto) de cartazes com essa frase. Um movimento nacionalista que eu não conheço, daí colocar a interrogação no título; porque não sei se concordo. Não sou uma defensora do nacionalismo, não se trata disso. Geralmente, movimentos nacionalistas flertam com a extrema direita, com integralismo... Não me incluiria nesta turma. Daí eu ter feito alusão ao movimento (se não me engano o grupo se entitulava MVBrasil) mas com a pulguinha atrás da orelha, destacada na interrogação.

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