segunda-feira, 7 de março de 2011

Dúvida carnavalesca



Desde uma pielonefrite aguda que, em 2005, me fez passar o carnaval na cama, não assistia aos desfiles das escolas de samba do Rio pela TV. Sempre gostei de carnaval, desfilei 4 anos seguidos na Tradição, mas sempre achei um pouco chato ver os desfiles pela TV. Lembro de já ter feito isso várias vezes em família, com meus pais, mas naquela época ver os desfiles pela TV era sinônimo de festa porque sempre tinham primos, tios, comes e bebes e a gente virava madrugada fazendo farra em família. Depois que saí de casa, carnaval na TV virou um porre - sem álcool.
Exceto naquele carnaval de 2005, quando a big dor renal não me deu outra alternativa.

Ontem, sei lá porquê, comecei a ver os desfiles. O da São Clemente, digno, não seria capaz de me prender. Dava umas espiadas e brincava com Bruna. O da Imperatriz teve a concorrência desleal de eu ter que colocar a Bruna para dormir; assisti pouca coisa da escola. O suficiente para achá-la com a cara da madrinha de bateria que a representa: linda e morna.

Com filha e marido na cama, decidi ler, já que estava sem sono. Mas deixei a televisão ligada. Pretendia só ver o comecinho do desfile da Portela. A escola ganhou minha atenção absoluta. Estava linda. Nem parecia ter sofrido algo com o tal incêndio. Estava animada, bonita, bem acabada. O samba era bonito, melódico, lembrava um pouco os antigos sambas. E a bateria deu um show. Várias paradinhas diferentes, coreografias, um escândalo de arrepiar. Faltava um pouco de sal na madrinha, mas não fazia a menor diferença, porque sobrava tempero ali no coração da escola. Um desfile encantador, para disputar campeonato, se não fosse o fato da Portela estar fora da disputa por conta do incêndio. Uma pena.

Aí entrou a Unidos da Tijuca do Paulo Barros. E aí entra a minha dúvida carnavalesca. Não sei, sinceramente, se adorei e se torço para a escola vencer ou se torço para ela perder... A escola estava belíssima! Era visível a qualidade e o acabamento dos carros, alegorias e fantasias. Caprichados, ricos. As sacadas geniais do Paulo, com inovações surpreendentes, encantam, prendem a atenção, nos fazem curtir. As alas com passos marcados dão um espetáculo visual, pois os passos resultam numa série de desenhos e desenrolam o tema trasnformando os cenários ao vivo, bem ali na nossa frente. Mas... Justamente esse excesso de alas com passo marcados parece tirar a alegria foliã, a espontaneidade e o direito de brincar, dançar, sambar livremente que me parecem a essência do carnaval. Em um determinado momento, me dava a impressão de que todos na Unidos da Tijuca eram atores e tinham sido contratados para sair na escola, tamanha a competência na representação de seus papáeis. Isso é ruim? Não sei. É o novo jeito de fazer carnaval? Para os olhos era de fato uma festa! Um prêmio estético para o olhar de qualquer um. Impossível não se encantar, viajar, delirar. Mas não sei se a emoção da gente é atingida da mesma forma. A bateria arrasou, o samba era bonito. Mas fiquei muito na dúvida. Além de sentir um certo deja-vú. O tema era diferente, mas escolhido a dedo para permitir o reforço da marca Paulo Barros e o flerte com o ilusionismo, os truques; o tema do medo no cinema acabou remetendo ao enredo do ano passado, sobre magia. É lindo? É. O desfile foi lindo? Foi. Merecia nota dez em tudo? Praticamente (a escola teve que acelerar o ritmo no final para não perder pontos ultrapassando o tempo e, por isso, eu não daria 10 em harmonia e evolução). Mas apesar de ter feito um desfile excelente, acho que a falta da emoção, da espontaneidade, de gente brincando feliz e descontraída fez falta. E fiquei na dúvida se eu gosto mais do carnaval para turista ver ou do carnaval da emoção e da farra.

Depois da Tijuca veio a Vila Isabel. Coitada, com um tema infeliz sobre cabelo, a escola passou meio apagada, obviamente prejudicada pela antecessora tão genial. Para desfilar depois da Tijuca, tinha que levantar a arquibancada, acender o telespectador. Ao contrário, deu sono. O samba e o enredo eram esquisitos e a escola, apesar de bonita, passou meio "normal" demais depois da apoteose "paulobarreana". Covardia? Bom, ao invés de investirem uma fortuna numa Gisele Bundchen desmilinguida, rebolando com as pernas fechadas, cruzadas como se estivesse apertada para ir ao banheiro, poderiam ter usado esta grana na criatividade para transformar o enredo estranho numa grata surpresa. Não rolou.

Eis que entra a Mangueira. Em paz, com as brigas resolvidas com Beth Carvalho, com um samba muito bonito, coerente - em homenagem a Nelson Cavaquinho no seu centenário -, a Mangueira abusou do que podia: da emoção e da tradição. Só uma escola com muita sapiência do seu crédito para dar uma parada total no som e deixar o público cantando à capela junto com os puxadores, sem bateria, sem medo de atravessar o samba. Emocionante e muito arrepiante! Paradinhas da bateria, gente alegre pulando, cantando, vibrando lá pelas tantas da manhã: essa era a Mangueira.
Não rola um saudosismo, acho que tudo deve evoluir. Esses verdadeiros produtores culturais que são as equipes das escolas de samba, se profissionalizaram, cresceram e não acho isso ruim. O carnaval para turista ver é lindo, mágico, encantador. Os blocos estão nas ruas, gratuitos, para compensar quem não pode estar na Sapucaí assistindo ou aqueles que não podem comprar uma fantasia. Super bacana, super válido.

Então, a minha dúvida persiste: o que é mais bonito, mais autêntico, mais interessante no carnaval das escolas de samba? O visual lindo e maravilhoso agregado ao bom samba e ótima bateria? Ou o carnaval com bom samba, ótima bateria e muita garra, emoção e alegria? O que é mais competente? O que será o futuro dos carnavais cariocas?

Acho que vou assistir aos desfiles da noite de hoje. Confesso que adorei o programa - mesmo solitário - que há muito tempo não fazia. O livro vai ficar pra quarta-feira de cinzas. E vai ser ótimo ter embasamento para torcer na apuração na quarta-feira. Sim, porque as apurações eu não perco nunca, mesmo não tendo visto os desfiles! Vai entender... Adoro, acho emocionante aquela disputa centésimo a centésimo.
E vamos ver se assim eu tiro a minha dúvida, que talvez seja a de muita gente.

Boa folia!

Crédito da foto: Bateria da Portela 2011, por Rodrigo Gorosito, portal G1.

3 comentários:

  1. Sinto-me tocado por fazer parte desta história.

    Sempre gostei de curtir o Rio vazio. O que não mais acontece nem nas bandas da zona oeste por conta dos blocos, que: ensaiam, desfilam e ressacam. Me diz uma coisa:

    "qual a necessidade de um bloco ensaiar e fechar a RB uma semana antes do carnaval as dezoito?"

    Pra variar me diverti e ri com suas palavras, mas não deu pra tirar conclusão: foi bom "mermo"?

    Eu não consegui escrever uma linha do meu projeto de doutorado e só consigo ficar ciceroneando as meninas, pois a Cláudia por uma boa causa, trabalha de noite "diariamente" (seria isso possível) e dorme de dia (o máximo que uma mulher pode).
    bjs

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  2. É, Rodrigão, muitos dos nossos carnavais foram passados juntos. Memórias tocantes.

    Olha, eu achei ótimo - meRmo (rs) - mas já não consegui repetir a dose ontem. Depois do Salgueiro que estava lindo mas se enrolou todo no gigantismo e problemas nos carros mal planejados, atrasando 10 minutos e perdendo 1 ponto por isso, eu perdi o tesão. Não sei se foi por ter um pedaço da alma Salgueirense ou pelo cansaço mesmo, já que trabalhei na segunda à tarde. Vi a Mocidade entrar linda, animada mas não aguentei assistir e fui dormir.
    Que bom vc estar curtindo as meninas, pelo menos. Imagino o quanto a Claudia deve estar dormindo, coitada...
    Beijos em todos!

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  3. Ganhou a lógica global. Beija-Flor!

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